Crítica | A Garota no Trem
‘A Garota no Trem’ chegou às telas com uma difícil comparação nas costas: a de ser colocada próxima, ao menos tematicamente, do ótimo filme (e ainda melhor enredo) de ‘Garota Exemplar’. Seguramente não é culpa do filme em si, mas a aura gerada pelo material de divulgação e trailers contribuíram para essa percepção. Portanto, o […]
‘A Garota no Trem’ chegou às telas com uma difícil comparação nas costas: a de ser colocada próxima, ao menos tematicamente, do ótimo filme (e ainda melhor enredo) de ‘Garota Exemplar’. Seguramente não é culpa do filme em si, mas a aura gerada pelo material de divulgação e trailers contribuíram para essa percepção. Portanto, o resultado mediano dessa produção é ainda mais exacerbado pela sensação de que poderíamos estar vendo algo realmente relevante, mas terminamos somente com algo regular.
Emily Blunt (sem nenhuma dúvida a melhor coisa do filme) vive Rachel, uma divorciada obcecada com sua antiga vida que, em consecutivas passagens no trem diário em frente a seu antigo bairro, tece uma narrativa imaginária das pessoas que enxerga pela janela. Problemas começam a surgir quando detalhes da vida dessas pessoas emergem e Rachel se vê envolta em um aparente assassinato. Falar mais do que isso estragaria as surpresas do filme e, podem confiar, o filme precisa de todas as surpresas que puder levantar.
Vamos primeiro falar dos elementos bem-sucedidos. A atuação de todo o elenco está bastante adequada a seus papeis, com destaque para Blunt, que nos entrega uma Rachel com auto-estima e respeito próprio totalmente destruídos. A atriz segue se firmando como uma das grandes de sua geração, mostrando um nível de entrega ao personagem – e de desaparecimento do ator no papel – impressionante. Rebecca Ferguson surge muito diferente de seus papeis em ‘Missão Impossível’ e ‘Hercules’ e Haley Bennett continua seu positivo retorno às grandes produções. A direção de arte e cinematografia é bela: os longos planos do trem, filmados num tom cinza, melancólico, criam uma atmosfera assombrada, mostrando visualmente como aquele bairro não tem nada de calmo ou pacífico.
O grande problema de ‘A Garota no Trem’ (como tantos filmes recentes) é a insistência no que eu venho chamando de ‘Roteiro Coincidente’. São tantos os momentos que as reviravoltas do enredo se forçam sobre a trama que é impossível não levantar a barreira de incredulidade. Se o enredo precisa de esclarecimento sobre um evento passado? Encontro acidental no trem! Mistério sobre memórias em um túnel? Encontro acidental no bar! Precisamos de personagens complexos? Passados incrivelmente horríveis para vários deles! Pode parecer comentário de crítico chato, mas nem todas as pessoas em nossas vidas têm uma história terrível e complexa. Algumas só são ruins mesmo; e é aí que o filme se perde.
Ao invés de explorar os temas da natureza humana e o que nos leva a cometer atos horríveis (como ‘Garota Exemplar’ faz magistralmente), aqui a maldade fica tão distante daquilo que consideramos possível que ela perde seu impacto. Simplesmente são muitas coisas ruins, anti-éticas, passados rocambolescos para que sigamos acreditando.
Uma pena. O conceito central do filme (que inevitavelmente remete a ‘Janela Indiscreta’ e a outros filmes melhores de “testemunha secreta”) se perde ao meio de tantas reviravoltas e possíveis suspeitos, que ao final parecem somente ter estado ali para manter o público escolhendo o culpado final. Se ‘A Garota no Trem’ se entristecia com o que via por sua janela, esse ‘garoto no cinema’ se decepcionava com o que via na tela.
Essa crítica foi um oferecimento Primepass
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