Entrevista | Anna Rodrigues fala da importância das mulheres no mundo nerd
Diante do acontecimento no Rio de Janeiro na última semana, a nossa equipe achou de extrema importância mostrar nosso apoio ao movimento feminista – de igualdade de direito para todos – e decidimos entrevistar mulheres feministas que estão por dentro desse nosso mundo nerd. Anna Rodrigues, 21, concedeu-nos uma entrevista ontem (01/06) no meio da manifestação […]
Diante do acontecimento no Rio de Janeiro na última semana, a nossa equipe achou de extrema importância mostrar nosso apoio ao movimento feminista – de igualdade de direito para todos – e decidimos entrevistar mulheres feministas que estão por dentro desse nosso mundo nerd. Anna Rodrigues, 21, concedeu-nos uma entrevista ontem (01/06) no meio da manifestação ‘Por TODAS ELAS’ na Avenida Paulista, em São Paulo. Segue a nossa conversa:
AcessoGEEK: Os filmes e HQs de super-heróis vêm sofrendo uma lenta adaptação sobre a sexualização dos personagens femininos e têm feito mudanças de trajes, poses e relevância delas nas histórias. Essa representatividade que vemos é consequência da indústria do cinema e das HQs que determinaram essa conscientização da representatividade e influenciam os movimentos feministas, ou o contrário, o crescimento da conscientização do feminismo que influencia a indústria do cinema?
Anna: “Eu vejo isso como a indústria do cinema tentando lucrar em cima do feminismo. Porque querendo ou não ela ainda é movida pelo capitalismo e o movimento feminista é contra isso, a gente luta contra, então é uma isca, entendeu? Eles fazem uma heroína “menos sensual”, mudança de poses, algumas histórias mais emocionantes pra atingir mesmo a gente e fazer dinheiro. E isso pode ter um efeito positivo, claro, porque mais gente vai saber por que eles estão mudando, mais gente vai querer se informar sobre o movimento e tal, mas eu vejo como uma grande isca, então a gente tem que tomar cuidado, a gente tem que saber julgar o que a gente está assistindo, o que a gente está lendo, se vai ser bom mesmo pra gente, se eles estão realmente tomando consciência ou não, porque é ainda uma indústria muito machista, eles lucram com o corpo da gente, eles lucram com as nossas opiniões e então a gente tem que começar a julgar eles também, a gente tem que ver o que é bom e o que não é.”
AcessoGEEK: Ainda sobre a representatividade das mulheres. O que você consegue observar que mudou nos filmes de hoje em relação aos do século passado?
Anna: “A gente vê personagens não tão sexualizadas mais, só que ainda muito presas ao que a gente chama de “higienização da mídia”. Ainda são personagens brancas, ainda não representam mulheres negras que são muito importantes para o movimento feminista, não representam a maternidade, ainda não representam movimentos LGBTs, então, assim, ainda são “baby steps” (passos de bebês), estamos caminhando ainda bem devagar, então a gente ainda vai ver muita coisa limpa, muita mulher branca e isso com o tempo vai mudar.”
AcessoGEEK: O que ainda é preciso fazer para melhorar?
Anna: “Se eles querem representar as mulheres, eles têm que mostrar a gente como a gente realmente é. De todas as cores, de todas as sexualidades possíveis, de todos os tipos, de todos os jeitos. Quem sabe daqui a 50 anos isso melhora, né? A gente já viu uma grande melhora em 10, 20 anos, com certeza.”
AcessoGEEK: Um censo afirmou que quase 50% dos leitores de HQs nos EUA são mulheres (ComicsBeat), e o número de mulheres que vão ao cinema assistir aos filmes da Marvel, DC e outras têm crescido também no mundo todo. Com roteiristas, diretores e protagonistas majoritariamente masculinos, tem sido possível criar elos com personagens femininos? Vale a pena incentivar as crianças a entrar neste universo?
Anna: “Sim, claro, porque a base educacional das mulheres não nos impulsiona para essas áreas. Eles não querem mulheres diretoras, roteiristas e quanto mais ter, melhor, mas eles ainda não incentivam, a gente ainda não tem uma base educacional pra isso. Muita mulher ainda não entra na universidade que quer, não se forma no que quer por pressão social, entendeu? Então ainda tem um trabalho a fazer para conscientizar essas mulheres, né? E isso vai da representatividade nos quadrinhos, de quem escreve, dirige e roteiriza e tudo mais, e isso está crescendo, a gente vê que em Deadpool (filme) foi uma produtora mulher, mas mesmo assim, ela também enfrentou muita coisa pra chegar até lá. E a gente não pode ter que enfrentar, a gente não pode ter essa barreira, essa coisa que impede a gente de chegar até lá, então ainda tem muito trabalho pra fazer, com certeza.”
AcessoGEEK: Em 2015, dois filmes receberam grande destaque por ter protagonistas mulheres. Mad Max e Star Wars. Você assistiu aos filmes? O que achou?
Anna: “Sim, assisti os dois. Eu achei incrível. Em Mad Max, por exemplo, eu achei sensacional que o personagem principal ficou apagado, entendeu? E o próprio ator percebeu isso e deu voz, a Charlize Theron abraçou isso e viu que ela estar ali foi muito importante pra gente e vai ser ainda muito mais porque estão planejando mais filmes sobre a série e eu espero que eles sigam com isso. O George Miller foi bem esperto, claro que ele também queria lucro, mas é importante ver as atrizes abraçando isso. Já em Star Wars, que eu acho que foi um caso bem mais sério porque tem uma fanbase bem machista por ser mais antigo, e tem uma história de machismo bem grande no caso da Leia. Eu vi como uma chance que eles pegaram pra recompensar a gente nesse filme.”
AcessoGEEK: Houve até o episódio do envelhecimento da Carrie Fisher…
Anna: “Sim, a gente vê que a mulher não pode envelhecer, o homem pode, o homem fica sexy, fica experiente, fica mais bonito, como foi o caso do Harrison Ford, e enquanto isso eles desqualificaram completamente a Carrie Fisher sem lembrar da história dela, que ela teve um grande problema com drogas depois de Star Wars. Ela se envolveu com coisas bem pesadas e isso a gente sabe que envelhece a gente, dá muito problema de saúde e tal e eu acho que ela reagiu muito bem, ela super criticou no Twitter dela, tirou sarro do pessoal que tirava sarro da cara dela e etc e tal, mas, cara, teve um “gap” ai de 30 anos, então foi uma discussão interessante até mesmo para nós, mulheres, para a gente se conscientizar de que a gente envelhece, todo mundo envelhece, todo mundo vai ficar com ruga, todo mundo vai ficar com a teta caída, a gravidade está aí e está funcionando pra gente (risos). E a questão é a gente mostrar que isso é importante. Eles colocaram a personagem dela numa posição bem importante, ela passou para general agora, ela é líder da Resistência, então acho que vai caminhar para uma coisa boa, ela está conquistando mais ainda o espaço dela, está tirando um pouco aquele estigma de sex symbol que ela tinha, né?”
AcessoGEEK: Você cresceu envolta neste mundo? Gosta de filmes de super-heróis, fantasia e/ou ficção científica? Tem acompanhado alguma série ou filmes desta área? Gostaria de recomendar algum (ns) para os nossos leitores?
Anna: “Jessica Jones é uma série ótima, a gente viu uma grande discussão ano passado por falar sobre questão de estupro, assédio psicológico. E eu estou lendo agora algumas obras do Philip K. Dick, autor de Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? – que é o livro que estou lendo agora – e eu acho importante essa leitura porque Blade Runner foi um filme importante de ficção científica nos anos 1980 e ver o papel das mulheres. No livro é interessantíssimo ver a questão da personagem da Rachel, a androide, que eu acho que tem uma grande representatividade porque fala sobre mulheres ciborgues, e há uma teoria feminista de que nós, mulheres, somos ciborgues socialmente porque nós somos pedaços de várias coisas juntas numa só e a gente não é natural. Nós somos mulheres mas ser mulher não é natural. Nós somos seres humanos, mas nós aprendemos a ser mulher. O termo mulher é um termo social, e esse livro critica muito essa questão, a personagem Rachel é muito importante pra gente se ligar nisso, pois ela não sabia que era uma androide, e muitas mulheres não sabem que são reprimidas. A gente estão tão inserida nesse mundo, nessa violência, nessa opressão que a gente não enxerga isso, então é uma quebra bem legal de visão, faz a gente pensar bastante.”