Review – Clair Obscur: Expedition 33
Clair Obscur é a melhor surpresa de 2025 até agora e merece ser jogado por fãs de jogos de turno e até pelos que não são muito fãs do gênero.

O lançamento de Clair Obscur: Expedition 33 marca um momento singular para os fãs de RPG — especialmente para quem sempre teve predileção por batalhas em turno, narrativa madura e apelo artístico diferenciado. Em um panorama onde quase todo grande RPG aposta em ação frenética, a desenvolvedora francesa Sandfall Interactive decidiu nadar contra a corrente e apostar todas as fichas em uma experiência que abraça com orgulho as raízes tradicionais do gênero, sem abrir mão de inovação.
Enredo e Temas
A história do jogo mergulha o jogador em um universo sombrio e poético, focado em uma sociedade à beira do colapso, isolada em uma ilha chamada Lumière. Essa estrutura de mundo logo ganha tons desesperadores com a figura da Pintora, um ser colossal que, anualmente, inscreve um novo número no monólito de pedra ancestral — e todos os habitantes que já atingiram essa idade desaparecem em um fenômeno chamado Gommage, transformando-se em fumaça e pétalas. A cada ano, o número pintado só diminui e, por consequência, os grupos enviados para a perigosa missão de acabar com a Pintora são formados por pessoas cada vez mais jovens. Desde o início dessa tradição sombria, nenhuma das setenta expedições retornou com vida. A vez agora é do grupo Expedition 33: jovens que abraçam a própria mortalidade e a certeza do sacrifício, conscientes de que seu destino pode servir apenas para dar esperança à geração seguinte.

O roteiro de Clair Obscur é ousado e sensível. Ao mesmo tempo em que explora temas de morte, legado, desespero e a inexorabilidade do fim, encontra espaço para a esperança e para o poder transformador da arte. Mesmo sendo denso, o texto sabe respirar: há espaço para momentos de alívio e ternura, principalmente graças aos Gestrais, personagens hilários, excêntricos e fundamentais para a identidade do universo, que fazem uma ponte perfeita entre o absurdo e o afeto. O elenco principal é carismático, com motivações críveis e múltiplas nuances, ainda que seja perceptível uma concentração maior de desenvolvimento sobre um ou dois protagonistas — um reflexo do foco dramático necessário para a intensidade da jornada.
Sistemas de Combate e Progressão
Clair Obscur reluz em seu sistema de combate. Embora honre a tradição dos turnos, o jogo injeta dinâmica e participação ativa no modelo clássico. O jogador precisa estar sempre atento: há momentos de defesa, esquiva e ações sincronizadas que lembram jogos de ação modernos de RPG, exigindo reflexos rápidos mesmo nas batalhas mais simples. Isso traz uma sensação constante de novidade e desafio, impulsionando o engajamento e praticamente eliminando o tédio que muitos associam ao “grinding” dos turnos clássicos. Aqui, cada encontro importa, e aprender as particularidades dos inimigos e chefes — muitos deles em versões alternativas ao longo da jornada — torna-se decisivo para o progresso.

A personalização da equipe é um dos pontos altos da experiência. Cada personagem pode ser moldado de formas diversas, seja por meio de árvores de habilidades distintas ou acessórios chamados Pictos, responsáveis por modificar radicalmente estratégias de combate e até o perfil do grupo. Nota-se, contudo, que o jogo não segue a tradição de aprimorar habilidades sempre para versões mais poderosas, preferindo dar longevidade a todas as técnicas aprendidas ao longo do tempo. Essa escolha valoriza criatividade e montagem de setups particulares, mas pode decepcionar quem sente falta daquela constante sensação de “evolução” clássica dos JRPGs.
Exploração e Atmosfera
Na parte da exploração, o jogo aposta em um design nostálgico, misturando um mapa-múndi de visual arrebatador a regiões lineares e interconectadas. A ausência inicial de um sistema de viagem rápida reforça o peso da travessia pelo mundo, valorizando a ambientação e as recompensas visuais que cada paragem proporciona. Os ambientes parecem pinturas vivas, com riqueza de detalhes e uma paleta que transita do grotesco ao sublime. Elementos como os corpos fossilizados de expedições anteriores e o monólito ameaçador erguido no horizonte reforçam a carga dramática e a sensação de atravessar um mundo tão belo quanto trágico.

Arte, Música e Localização
Toda a parte visual do jogo é um espetáculo à parte, evocando o sentimento de caminhar por uma galeria surrealista. A trilha sonora mantém o mesmo padrão de excelência, casando perfeitamente temas melancólicos, momentos de tensão e até espaços para o humor, especialmente nas seções protagonizadas pelos Gestrais. O trabalho sonoro — tanto musical, quanto de efeitos — impulsiona a imersão e faz os confrontos soarem satisfatórios, com cada impacto de golpe ou vitória sendo sentido pelo jogador. O elenco de vozes original também merece elogios, trazendo nomes de peso para personagens centrais e adicionais. No entanto, é importante ressaltar que Clair Obscur: Expedition 33 não oferece dublagem em português, embora a localização de menus, textos e interface esteja inteiramente traduzida com qualidade para a nossa língua, facilitando bastante a compreensão e a imersão do público brasileiro.

Vale a pena?
Clair Obscur: Expedition 33 é, sem dúvidas, um dos RPGs mais marcantes da última década. Seja por sua coragem ao revisitar a tradição dos turnos com criatividade e vigor, seja pelo universo visual e narrativo arrebatador, o jogo não faz concessões naquilo que se propõe a entregar. O desafio é constante, a experiência é profunda e a atmosfera, memorável. Pode não agradar a todos, principalmente quem prefere progressão linear de habilidades e ritmo de combate mais relaxado, mas dificilmente deixará alguém indiferente. É uma das obras obrigatórias de 2025 para qualquer fã de RPG — um tributo à resiliência, à arte e ao poder do coletivo mesmo diante da desesperança.