Review – Metal Gear Solid Delta: Snake Eater
Jogamos o novo remake de Metal Gear Solid Delta e a gente te conta as nossas impressões desse clássico dos videogames!

Vivendo uma era de superproduções arriscadas, onde criar algo novo frequentemente beira o insustentável, as grandes desenvolvedoras acabam olhando para trás em busca de vencedores garantidos. A partir dessa constatação, a decisão da Konami de revisitar um dos maiores triunfos já criados em sua história era só uma questão de tempo. Surge então Metal Gear Solid Delta: Snake Eater, um reflexo evidente da atual estratégia da indústria: ressuscitar clássicos através de um novo visual e algumas modernizações para alcançar tanto os nostálgicos quanto os newcomers. Mas, ao contrário de outros esforços recentes no mundo dos remakes, aqui a ousadia passa longe – talvez por prudência, talvez por temor de mexer demais onde não se precisa.
A presença do nome de Hideo Kojima não está mais atrelada à franquia, mas a essência da sua narrativa permanece praticamente inalterada. O roteiro que consagrou sua visão cinematográfica como referência máxima no meio dos videogames está todo ali – os longos diálogos, a mistura curiosa entre humor, tensão e temas filosóficos e a trilha sonora marcante foram mantidos quase que intactos. Onde se nota algum respiro de novidade é na interface de usuário, que agora traz pequenas adaptações para telas maiores e facilidade de navegação, ainda que algumas alterações tornem o acesso a itens menos intuitivo do que era esperado para os padrões atuais.

No que diz respeito a conveniências modernas típicas de relançamentos, Metal Gear Solid Delta hesita. O novo esquema de controles é um passo na direção certa – representando respeito ao público atual. Porém, a movimentação do protagonista, principalmente ao deitar em locais apertados, deixa a sensação de que falta polimento. Momentos em que os menus rápidos não respondem à altura das exigências do jogador acabam minando o sentimento de controle absoluto, uma das principais virtudes do jogo original. Quando se trata de um título em que precisão e resposta são componentes essenciais à experiência, deslizes como esse se tornam ainda mais perceptíveis.
Certa dose de “rugosidade” herdada do passado também está presente. Pequenos incidentes, que poderiam ser classificados como bugs, continuam fazendo parte do panorama. Exemplo disso são as setas que, se não removidas rapidamente, permanecem presas ao corpo de Snake por toda a jornada, atravessando cutscenes e momentos chave sem qualquer solução criativa. Não seria exagero esperar uma brincadeira autodepreciativa do remake antes de solucionar o incômodo, o que teria dado ainda mais personalidade à atualização. Faltou ousadia também nisso, optando sempre pela reprodução fiel.
Apesar dessas ressalvas, não se pode ignorar o fato de que mesmo uma cópia reluzente de um dos maiores jogos da história ainda brilha – e muito. O capricho visual agora amplia a experiência: o novo motor gráfico multiplica detalhes nas expressões e paisagens, criando uma União Soviética fictícia mais viva, com florestas, cavernas e instalações militares repletas de personalidade. O uso do Unreal Engine 5 leva até as batalhas mais emblemáticas, como a contra The End, a um nivel de realismo artístico inédito, especialmente com o dinamismo do clima e da iluminação, aspectos que eram impensáveis na época do PlayStation 2.

Ainda assim, é importante ressaltar que o salto visual não se traduz em reinvenção. Estruturas, ângulos de câmera, animações e ritmo seguem à risca o modelo consagrado. Para quem cresceu cruzando barrancos, rios e clareiras no clássico, existe um frenesi ao revisitar cada cenário e reencontrar os personagens marcantes – Eva, Ocelot, The Boss e todos os comandantes da Unidade Cobra são transportados com fidelidade assustadora para as telas de hoje. Cada nuance em seus rostos e jeitos, dos olhos profundos ao cenho franzido, tudo revela o quanto o time teve escrúpulo na hora de atualizar o jogo sem perder sua identidade.
Na trilha sonora, o apreço pelo trabalho original ultrapassa a reverência. Todos os diálogos originais retornam com áudio mais limpo, livre de compressão, com poucas linhas adicionais adaptando comandos para os controles atuais. Não há músicas novas, tampouco rearranjos – a exceção é o tema principal, cuja nova versão traz apenas mudanças discretas na instrumentação e revela o envelhecimento natural da intérprete após duas décadas. A música intensifica cada momento de tensão ou triunfo, reforçando a associação imediata que muitos já possuem com os temas compostos para o título.
Do ponto de vista da jogabilidade, a busca pelo equilíbrio entre legado e atualidade é explícita. Metal Gear Solid Delta: Snake Eater oferece tanto a tradicional câmera fixa quanto uma perspectiva em terceira pessoa mais fluida. A introdução de andar agachado – já presente na versão para 3DS – mexe com o ritmo de infiltração e, em certos trechos, facilita demais o que antes era um desafio legítimo. O sistema de camuflagem permanece fundamental e o arsenal ainda convida a improvisação, permitindo que cada jogador crie sua própria abordagem para os mini-sanduíches de combate e silêncio no mapa.

A experiência central, no entanto, resiste bravamente ao tempo. Avançar sem ser visto, interagir com ambientes, explorar alternativas criativas de camuflagem e usar recursos de sobrevivência (como comer o que caça ou tratar ferimentos graves) continuam sendo o motor da aventura. O game recompensa criatividade e coragem – é possível atravessar a jornada inteira sem matar ou sequer ser notado por inimigos comuns, enfatizando o caráter experimental da série. Pequenos toques de qualidade de vida, como alternar camuflagens de modo instantâneo, deixam o fluxo da partida mais suave, embora não supram todas as limitações herdadas do original – como menus ainda confusos em alguns momentos.
Uma das surpresas mais positivas está na manutenção, e até expansão, dos modos extra amados pelos fãs. Guy Savage, minigame de pesadelo originalmente breve, retorna agora com maiores possibilidades e jogabilidade aprimorada, aproximando-se de um verdadeiro hack and slash. Já o crossover Snake vs. Monkey mantém a ingenuidade e diversão, acrescentando novos detalhes aos desafios. Ambas as inclusões surpreendem positivamente por renovar partes que poderiam ser esquecidas e mostram que um remake pode entregar valor diferente sem alterar o conteúdo central.
Apesar dos acertos, há discussões inevitáveis acerca de até onde faz sentido refazer na íntegra um clássico. O jogo faz questão de fugir de qualquer tentativa de reimaginar a história, evitar conexões forçadas com outros títulos posteriores e se esquiva de mexer até mesmo no equilíbrio entre o ridículo e o dramático – clássico da obra de Kojima. Esse respeito quase reverencial é compreensível diante do status lendário de Metal Gear Solid 3: Snake Eater, mas também limita seu potencial como experiência definitiva para uma nova geração de jogadores ou para veteranos mais exigentes.

As quedas pontuais no desempenho, perceptíveis quando a tela fica cheia de elementos ou nas lutas finais mais caóticas, são um lembrete de que beleza gráfica não substitui otimização. Espera-se que atualizações futuras aprimorem essa área, mas por hora, afetam a experiência em situações específicas.
Vale a pena?
Metal Gear Solid Delta: Snake Eater, portanto, posiciona-se como uma potente releitura visual, pouco disposta a mexer no esqueleto consagrado de um dos maiores marcos do stealth. É o título ideal para quem quer vivenciar a história do início da saga sem precisar enfrentar as limitações técnicas do passado, mantendo personagens, enredo, trilha e clima inalterados. Contudo, para quem sonhava com um remake capaz de reimaginar mecânicas, expandir lore ou experimentar ainda mais com as possibilidades do universo criado por Hideo Kojima, talvez reste um gostinho de que a reverência bloqueou parte da ousadia.
No final, este remake serve para nos lembrar que repaginar um clássico é tarefa delicada: mexer demais pode afastar os fiéis, mas reter tudo trava a capacidade do novo brilhar. Metal Gear Solid Delta: Snake Eater é, inegavelmente, o caminho mais seguro – mas deixa abertas as discussões sobre qual é, afinal, o verdadeiro objetivo de um remake hoje em dia.





